SÃO CRISTÓVAO
São Cristóvão, mártir, mereceu um culto litúrgico desde tempos muito antigos, e a partir do século V seu culto se espalhou pela Europa, pelo Oriente e pelo Ocidente, chegando ao Brasil no século XVI. Por toda parte existem igrejas e cidades dedicadas a este santo. Em sua honra foram fundados mosteiros, conventos, patronatos, abrigos e irmandades. Não obstante esta popularidade, bem pouco se sabe da vida deste santo.
Nas numerosas tradições que a seu respeito chegaram até nós, o que há de certo é que ele deve ter sido um homem de estatura extraordinariamente alta, de força hercúlea e, uma vez convertido a Cristo, se fez apóstolo desta religião na Lícia, onde sofreu o martírio sob o imperador Décio, por volta do ano 250.
Dos santos e santas da antigüidade cristã, as “Acta Martyrum” nos contam a vida, os feitos e o martírio. A respeito de São Cristóvão, lemos no Martirológio Romano, livro que apresenta breve notícia a respeito dos mártires e demais santos da Igreja Católica, o seguinte trecho, no dia 25 de julho:
Na Lícia, São Cristóvão, Mártir, que foi moído com varas de ferro, no tempo do imperador Décio, e libertado das chamas de um fogo abrasador, pela força divina de Cristo. Por último, ferido com flechas e decapitado, completou seu martírio.
Talvez alguém, na vontade de saber detalhes ou confirmar narrações mais conhecidas, ache muito escasso o que o Martirológio diz a respeito de São Cristóvão. Mas, na verdade, esta notícia é mais do que suficiente para que tributemos a ele o culto de veneração que lhe é devido. Com sua vida, seu exemplo e suas palavras, testemunhou Jesus Cristo ao povo daquela época, a ponto de ser preso e martirizado por ter manifestado sua fé. Tornou-se assim, no sentido mais verdadeiro e profundo, “cristóforo” (em português, Cristóvão), ou seja, o que carrega Cristo.
Mesmo naquilo que nos é apresentado como fato histórico, nem sempre é fácil distinguir o que é, realmente, o fato acontecido, daquilo que foi acrescentado pelo entusiasmo e a devoção do povo. Se isto vale a respeito da “notícia histórica”, com muito maior razão podemos dizê-lo a respeito das piedosas lendas que se formaram ao redor de sua pessoa, especialmente motivadas por seu nome, Cristóvão. Foi daí que surgiu a piedosa lenda, segundo a qual ele teria transportado um menino, de uma margem a outra de um rio. Menino este que se revelou como sendo “o Senhor do Mundo”, ou “o Criador do Mundo”, e por isso era tão pesado. Desde então, São Cristóvão é representado como um homem muito robusto, carregando o Menino Jesus no ombro.
Estas narrações lendárias merecem ser levadas em consideração, pois, além de serem muito antigas, caracterizam e identificam a imagem de São Cristóvão em todos os lugares do mundo, inclusive no Museu do Vaticano. O que se pode dizer com certeza é que São Cristóvão é venerado, como mártir, desde o século V, sem que se saibam os detalhes de sua vida e de seu martírio.
As lendas que nos chegam deste mártir do III século (e que confirmam sua existência) dizem-nos que provinha de uma tribo de gigantes – os “Cinocéfalos” ou “Caras de Cão” – e que acabou transportando, nos seus ombros de gigante, o próprio Cristo. A lenda que o diz descender dos gigantes “Caras de Cão” talvez tenha nascido do costume de o representarem, enorme, na fachada dos templos, para que os viajantes o vissem de longe.
A lenda fez de Cristóvão um herói predileto, pintando as façanhas deste santo com cores vivas e edificantes. Seria ele natural da Palestina, a terra de Cristo. E, devido a sua força e estatura, estaria à procura de alguém a quem servir, já que a carreira comum dos homens fortes era a de militar, a serviço do senhor que melhor pagava.
Cristóvão ambicionava colocar sua habilidade militar e sua força a serviço do senhor mais poderoso que houvesse, e assim mudou várias vezes de dono. Diz-se que, ao notar que o seu general tinha um medo supersticioso do demônio, resolveu colocar-se a serviço do espírito das trevas. Percebendo, porém, que o próprio diabo tinha medo da cruz, indagou o porquê. Foi, então, que ficou sabendo que Cristo, Filho de Deus, era o mais poderoso dos soberanos.
Procurou instruir-se sobre esta religião e do modo como colocar-se a serviço deste Soberano Senhor. Encontrou um eremita que lhe indicou a maneira de servir a Cristo: entregando-se à penitência, à oração e à meditação da Palavra de Deus. Mas Cristóvão objetou: “Jejuar não agüento; para rezar e meditar não tenho jeito”. “Pois bem, replicou o ermitão, existe mais um meio de servir a Deus: é praticar obras de caridade para com o próximo”. E acrescentou: “Vê, tu és robusto, alto e forte. Aí perto há um rio sem ponte, que é perigo de morte para muita gente que o deseja atravessar. Oferece teus serviços àquela pobre gente; leva as pessoas, transportando-as de um lado para o outro. Terás a gratidão e as orações do beneficiados, e Deus te recompensará largamente por tua caridade”.
A proposta agradou a Cristóvão que, de fato, construída uma choupana à beira do rio, prontificou-se a transportar gratuitamente todos os transeuntes. Certo dia apresentou-se a ele um menino, que lhe pediu o mesmo favor. Ele o colocou nos ombros como se fosse uma palha, mas, no percurso, o menino começou a pesar cada vez mais, e Cristóvão sentiu tremerem suas pernas. Todo assustado pelo fenômeno, perguntou ao menino: “Que coisa é essa? Parecia-me estar carregando o peso do mundo inteiro!” Sorridente, o menino respondeu: “Muito mais do que o mundo inteiro: tu carregaste o Senhor do Mundo”. Era como que o prêmio dos serviços prestados na caridade. Desde aquele dia, mudou seu nome para Cristóvão, que significa “portador de Cristo”.
Mas… por que “padroeiro dos motoristas”?… perguntam muitos.
Em ligação com a lenda que surgiu do seu nome – “aquele que carrega Cristo” – São Cristóvão passou a ser invocado, nos tempos antigos, das grandes viagens a pé, como protetor dos que caminham, especialmente se atravessam lugares e situações difíceis, como as montanhas e os rios. Nos tempos modernos, com o surgir do automóvel, tornou-se o padroeiro dos motoristas.
Como se percebe, é grande a distância entre “o mártir” e “o padroeiro”!
Entre o certo e o duvidoso, como diz o provérbio, São Cristóvão merece ser destacado e invocado como Mártir, isto é, como aquele que deu testemunho de Jesus Cristo, vivendo e morrendo por Ele, e não tanto pelos aspectos ligados à piedosa lenda que se formou em torno dele. Assim, todos nós, mesmo não sendo motoristas ou viajantes, encontraremos sentido em tê-lo como padroeiro da Paróquia, já que todos somos chamados a ser testemunhas de Cristo no meio do mundo, principalmente no serviço aos irmãos e irmãs.
Por outro lado, em um mundo de tantos desencontros por causa destas “máquinas mortíferas” chamadas automóveis, também terá sentido olhar para São Cristóvão, não tanto para que “nos livre” dos males (pelos quais nem ele nem Deus são responsáveis!), e sim para que sejamos mais atentos às necessidades de todos, e não tenhamos tanta pressa ou ganância por uma vaga no tumultuado trânsito do nosso dia-a-dia.
Esta síntese foi realizada pelo P. Tarcísio Luís Brasil Martins, sexto pároco da Paróquia São Cristóvão de Curitiba, PR, a partir da seguinte bibliografia: BARBOSA, Dom Marcos, OSB. “Oratório e vitral de São Cristóvão”. Petrópolis. Vozes. 1969. BUTLER. “Vida dos Santos” (Volume VII – Julho). Petrópolis. Vozes. 1989. CONTI, Dom Servílio. “O Santo do dia”. Petrópolis. Vozes. ENCICLOPEDIA CATTOLICA (Volume IV). Città del Vaticano. Ente per L’Enciclopedia Cattolica e per il libro cattolico. 1950. ENCICLOPEDIA UNIVERSAL ILUSTRADA (Tomo XVI). Barcelona. J.Espasa Editores. LEHMANN, J.B. “Na Luz Perpétua” (II volume). Juiz de Fora. Livraria Editora “Lar Católico”